Um blogue criado com o intuito de aproximar o nosso Centro da comunidade, promovendo a divulgação das atividades desenvolvidas e de informações de caráter geral. Pretende-se, ainda, que seja um espaço de partilha e diálogo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Artigo de opinião



Romance histórico, mas também social e de espaço, enquadra a migração açoriana, meados do séc. XVIII, num contexto mais abrangente da história de Portugal, recriando o seu contexto social, económico e político, articulando o plano da história com o plano da ficção. Romance dentro da linha neorrealista, preocupado com a realidade social em que o trabalhador do campo é oprimido pelo grande senhor, o morgado; em que os insulares com promessas vãs se veem espoliados dos seus sonhos, oprimidos pelo rei e pelos seus representantes. Social, ainda, pela crónica de costumes recriando o espaço físico e social da ilha do Pico nos Açores e da ilha do Desterro no Brasil. Intemporal, pois os comportamentos, os anseios, a denúncia de situações de opressão e de repressão apontam para os dias de hoje. O título da obra remete, a priori, para o tema da viagem: Os açorianos, por coincidência ou ironia do destino deixam a sua ilha do Pico, atravessam o Atlântico, para se fixarem numa ilha exatamente com a mesma dimensão. A sua condição de ilhéus, a condição social, económica, assim como a preservação da identidade cultural manteve-se. A ilha do Pico surge logo no início como um “pequeno paraíso” lugar que adquire profundo significado através dos laços emocionais da personagem e pretexto para questões existencialistas por parte de “Manuel “o único da família Goulart que aí permanece. A ilha surge assim com a sua beleza, as suas manifestações culturais, um mundo de enraizamento e símbolo de união. “Lealdade” que vai estar presente nos que partem, preservando essa identidade individual e coletiva mostrando a dependência dos valores da experiência e da cultura. Esta identificação com o espaço das ilhas aparece assim subjacente ao tema indiciado desde logo no título” ilhéus para sempre”.” O individuo não é distinto de seu lugar, ele é esse lugar”. Podemos considerar no romance duas linhas condutoras da ação: a viagem-cruzando dados históricos com a ficção-motivada, em parte, pela situação económica das ilhas, pelas catástrofes naturais e pela necessidade de povoamento da ilha de Sta. Catarina, surgindo ainda o aparecimento do ouro no Brasil como a resolução dos problemas financeiros do reino. A ação envolve várias gerações de uma família açoriana, para quem a viagem visava a realização dum anseio, o sonho de melhores condições de vida, fugindo a um fatalismo natural e à opressão do morgado, senhor detentor das terras; personagens que conferem revolta, tenacidade e paixão no desenrolar dos acontecimentos. Ao lado surgem as personagens repressoras e corruptas, representantes do poder régio, que o servem através da repressão, censurando os livros e as práticas consideradas de heresias, feitiçaria e de bigamia, sendo assim evocada a história do reinado de D. João V, séc. XVIII, passando pela Inquisição e pelo Terramoto de 1755. A outra linha de ação resulta da paixão entre José e Mariana, amor proibido pelas diferenças sociais. O amor é a força cósmica que move a personagem, a única que foi mais além da Ilha do Desterro, indo à procura de ouro em Goiás, e que regressa à sua Ilha de origem, o Pico, tendo concretizado o seu sonho para poder conquistar Mariana. É a personagem com maior densidade psicológica, evoluindo ao longo da ação através das aprendizagens impulsionadas pelo amor, não aceitando o pré-estabelecido, questionando-se e adquirindo consciência ética. As duas ações, numa sequência narrativa por encadeamento, recriam situações, costumes, tradições, desenrolando-se cronologicamente, tempo que surge explicito na obra através de várias indicações temporais, tempo da viagem e idade das personagens. A caracterização das personagens é feita por um narrador omnisciente, que dá a conhecer ao leitor as motivações das personagens, os pensamentos, reflexões e juízos de valor, utilizando um discurso indireto livre, combinado com o discurso direto e indireto, como processo de fazer ouvir o falar e o pensar das personagens A par duma linguagem literária que se manifesta na riqueza descritiva, através de adjetivação expressiva reconstruindo a paisagem das ilhas, surgem os discursos com algumas marcas de oralidade, expressões e regionalismos. Como projeção do próprio autor surge a personagem Madruga, bem enquadrada, que assume uma voz crítica, entrando no discurso do narrador. Esta personagem através da experiência intelectual, contacto com as grandes correntes do pensamento que iria conduzir à Revolução Francesa e ao fim das monarquias na europa, dá-nos uma visão crítica de uma época, repensa a História, posicionando-se ideologicamente sobre o presente e sobre o futuro. A sua clarividência política leva- o a anunciar novos tempos e uma mensagem de esperança num mundo livre de opressão. O autor de forma verosímil e bem delineada recriou a história através da ficção, conduzindo o leitor através de linhas condutoras da ação, pelas aventuras de novos espaços, pelos anseios e motivações das personagens, mantendo a expetativa no desenrolar dos acontecimentos, fazendo assim uma viagem pela aventura das palavras, dando-nos uma análise crítica do tempo representado, mas também um comentário e crítica ao presente, numa mensagem ética, indispensável nos dias de hoje.
Isabel Guerreiro

Sem comentários:

Enviar um comentário