Romance
histórico, mas também social e de espaço, enquadra a migração açoriana, meados
do séc. XVIII, num contexto mais abrangente da história de Portugal, recriando
o seu contexto social, económico e político, articulando o plano da história
com o plano da ficção. Romance dentro da linha neorrealista, preocupado com a
realidade social em que o trabalhador do campo é oprimido pelo grande senhor, o
morgado; em que os insulares com promessas vãs se veem espoliados dos seus
sonhos, oprimidos pelo rei e pelos seus representantes. Social, ainda, pela
crónica de costumes recriando o espaço físico e social da ilha do Pico nos
Açores e da ilha do Desterro no Brasil. Intemporal, pois os comportamentos, os
anseios, a denúncia de situações de opressão e de repressão apontam para os
dias de hoje. O título da obra remete, a priori, para o tema da viagem: Os
açorianos, por coincidência ou ironia do destino deixam a sua ilha do Pico,
atravessam o Atlântico, para se fixarem numa ilha exatamente com a mesma
dimensão. A sua condição de ilhéus, a condição social, económica, assim como a
preservação da identidade cultural manteve-se. A ilha do Pico surge logo no
início como um “pequeno paraíso” lugar que adquire profundo significado através
dos laços emocionais da personagem e pretexto para questões existencialistas
por parte de “Manuel “o único da família Goulart que aí permanece. A ilha surge
assim com a sua beleza, as suas manifestações culturais, um mundo de
enraizamento e símbolo de união. “Lealdade” que vai estar presente nos que
partem, preservando essa identidade individual e coletiva mostrando a
dependência dos valores da experiência e da cultura. Esta identificação com o
espaço das ilhas aparece assim subjacente ao tema indiciado desde logo no
título” ilhéus para sempre”.” O individuo não é distinto de seu lugar, ele é
esse lugar”. Podemos considerar no romance duas linhas condutoras da ação: a
viagem-cruzando dados históricos com a ficção-motivada, em parte, pela situação
económica das ilhas, pelas catástrofes naturais e pela necessidade de
povoamento da ilha de Sta. Catarina, surgindo ainda o aparecimento do ouro no
Brasil como a resolução dos problemas financeiros do reino. A ação envolve
várias gerações de uma família açoriana, para quem a viagem visava a realização
dum anseio, o sonho de melhores condições de vida, fugindo a um fatalismo
natural e à opressão do morgado, senhor detentor das terras; personagens que
conferem revolta, tenacidade e paixão no desenrolar dos acontecimentos. Ao lado
surgem as personagens repressoras e corruptas, representantes do poder régio, que
o servem através da repressão, censurando os livros e as práticas consideradas
de heresias, feitiçaria e de bigamia, sendo assim evocada a história do reinado
de D. João V, séc. XVIII, passando pela Inquisição e pelo Terramoto de 1755. A
outra linha de ação resulta da paixão entre José e Mariana, amor proibido pelas
diferenças sociais. O amor é a força cósmica que move a personagem, a única que
foi mais além da Ilha do Desterro, indo à procura de ouro em Goiás, e que
regressa à sua Ilha de origem, o Pico, tendo concretizado o seu sonho para
poder conquistar Mariana. É a personagem com maior densidade psicológica,
evoluindo ao longo da ação através das aprendizagens impulsionadas pelo amor,
não aceitando o pré-estabelecido, questionando-se e adquirindo consciência
ética. As duas ações, numa sequência narrativa por encadeamento, recriam situações,
costumes, tradições, desenrolando-se cronologicamente, tempo que surge
explicito na obra através de várias indicações temporais, tempo da viagem e
idade das personagens. A caracterização das personagens é feita por um narrador
omnisciente, que dá a conhecer ao leitor as motivações das personagens, os
pensamentos, reflexões e juízos de valor, utilizando um discurso indireto
livre, combinado com o discurso direto e indireto, como processo de fazer ouvir
o falar e o pensar das personagens A par duma linguagem literária que se
manifesta na riqueza descritiva, através de adjetivação expressiva reconstruindo
a paisagem das ilhas, surgem os discursos com algumas marcas de oralidade,
expressões e regionalismos. Como projeção do próprio autor surge a personagem
Madruga, bem enquadrada, que assume uma voz crítica, entrando no discurso do
narrador. Esta personagem através da experiência intelectual, contacto com as
grandes correntes do pensamento que iria conduzir à Revolução Francesa e ao fim
das monarquias na europa, dá-nos uma visão crítica de uma época, repensa a
História, posicionando-se ideologicamente sobre o presente e sobre o futuro. A
sua clarividência política leva- o a anunciar novos tempos e uma mensagem de
esperança num mundo livre de opressão. O autor de forma verosímil e bem
delineada recriou a história através da ficção, conduzindo o leitor através de
linhas condutoras da ação, pelas aventuras de novos espaços, pelos anseios e
motivações das personagens, mantendo a expetativa no desenrolar dos
acontecimentos, fazendo assim uma viagem pela aventura das palavras, dando-nos
uma análise crítica do tempo representado, mas também um comentário e crítica
ao presente, numa mensagem ética, indispensável nos dias de hoje.
Isabel Guerreiro